terça-feira, 29 de maio de 2012

Posições situacionistas a respeito do trânsito



O que me fez transformar um monte de ideias que eu tinha num blog foi um texto sugerido pelo Cláudio Tozzi, professor da FAU, quando eu fui procurá-lo pedindo ajuda para um projeto de fotos.

Eu tinha feito uma série de fotos nos parques, durante minhas pedaladas pela ciclofaixa aos domingos, e queria me aprofundar um pouco mais.

O texto falava sobre a teoria da deriva, que está na abertura do blog.

Todo mundo que descobre a bicicleta carrega um pouco dessa teoria, mesmo sem saber.

Porque é imediato a mudança na relação com a cidade e no ponto de vista.

Enfim, isso me levou a querer fazer uma pós-graduação, e aqui estamos!

Vou publicar o texto de Guy Debord, escrito em 1959 sobre o trânsito.

1.

O erro de todos os ubanistas é considerar o automovel individual ( e seus subprodutos, como a motocicleta) essencialmente como meio de transporte. A rigor, ele é a principal materialização de um conceito de felicidade que o capitalismo desenvolvido tende a divulgar para toda a sociedade.  O automovel, como supremo bem de uma vida alienada e, inseparavelmente, como produto essencial do mercado capitalista esta no centro da mesma propaganda global. ouve-se com frequencia, este ano, que a prosperidade econômica norte-americana dependerá em breve do exito do slogan: "Dois carros por familia".

2.

O tempo gasto nos transportes, como bem observou Le Corbusier, é um sobretrabalho que reduz a jornada de vida chamada livre.



3.

Precisamos passar do trânsito como suplemento do trabalho ao trânsito como prazer.

4.

Querer refazer a arquitetura em função da existência atual, maciça e parasitária dos carros individuais é deslocar os problemas com grave irrealismo. É preciso refazer a arquitetura em função de todo o movimento da sociedade, criticando todos os valores efêmeros, ligados a formas de relações sociais condenadas ( a familia é a primeira delas).

5.

Mesmo que seja possível admitir provisoriamente, num período de transição, a divisão absoluta entre zonas de trabalho e zonas de habitação, será necessário ao menos prever uma terceira esfera: a da vida em si ( a esfera da liberdade dos lazeres - a verdade da vida). Sabe-se que o urbanismo unitário não tem fronteiras; pretende constituir uma unidade total do meio humano no qual as separações do tipo trabalho-lazer e coletivo-vida privada serão dissolvidas. mas, antes, a ação minima do urbanismo unitário é o terreno de jogos estendidos a todas as construções desejaveis. Esse terreno terá o grau de complexidade de uma cidade antiga.

6.

Nao se trata de combater o automovel como um mal. Sua exagerada concentração nas cidades é que leva a negação de sua função. E claro que o urbanismo nao deve ignorar o automovel, mas menos ainda aceita-lo como tema central. Deve trabalhar para o seu enfraquecimento. Em todo caso, pode-se prever sua proibicao dentro de certos conjuntos novos assim como em algumas cidades antigas.

7.

Quem julga que o automóvel é eterno não pensa, até do mero ponto de vista técnico, nas futuras formas de transporte. Por exemplo, certos modelos de helicóptero individuais que estão sendo agora testados pelo exército dos Estados Unidos encontrar-se-ão ao alcance do público talvez daqui a menos de 20 anos.

8.

A ruptura da dialética do meio humano em favor dos automóveis ( há projetos de abertura de auto-estradas em Paris que acarretarão a desturição de milhares de moradias, enquanto a crise habitacional se agrava cada vez mais) disfarça a própria irracionalidade sob explicações pseudopráticas. Mas sua verdadeira necessidade pratica corresponde a um determinado estado social. Os que julgam os dados do problema permanentes querem, de fato, crer na permanência da sociedade atual.

9.

Os urbanistas revolucionários não se preocuparão apenas com a circulação das coisas, nem apenas com os homens paralisados num mundo de coisas. Tentarão romper essas cadeias topológicas por meio da experimentação de terrenos , para que os homens transitem pela vida autêntica.



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