terça-feira, 14 de agosto de 2012

Invisíveis até fora da bicicleta

Uma mulher no balcão do laboratório, um homem no caixa do supermercado e um conhecido que se deparou com 40 ciclistas na sua frente. O que essas pessoas tem em comum?

Elas não me enxergam, mesmo que eu esteja SEM a minha bicicleta. 

Vou explicar melhor:

Sábado levei meu filho pra fazer uns exames de laboratório.
Cheguei no balcão, toquei a campainha e fiquei ali esperando.
No mesmo momento em que a mulher do laboratório apareceu no balcão, uma mulher, magra, com peitos visivelmente fabricados, bolsa de marca famosa carregada no antebraço, camiseta colada e calça jeans chegou como se o mundo fosse acabar e começou a falar com a atendente. "Falar" é modo de dizer.  Eu nem lembro o assunto direto, mas indiretamente o que ela queria dizer era: "eu sou superior a você, você está aqui pra me servir".  Imediatamente pensei: ela foi incapaz de ver que tinha alguém esperando aqui pra ser atendida, provavelmente nas ruas vai jogar seu "carro-mansão" em cima da minha bicicleta pra me mostrar qual o meu lugar:  na calçada, nos parques, em outro país, menos na sua frente, claro. Afinal assim como só ela tem pressa para ser atendida no balcão, só ela deve ter pressa pra chegar em casa.

Domingo a noite, no supermercado eu passava minhas poucas compras no caixa ( as que eu consigo carregar na bicicleta), e um homem atrás de mim tentava empurrar com seu carrinho a cestinha que eu tinha colocado no lugar ( embaixo do caixa, no cantinho).  É que o carrinho que ele tinha pego era tão grande e tinha tantas compras que ele não conseguia enxergar a pobre cestinha no chão. Mas algo que ele não sabia o incomodava e ele não saiu de trás do carrinho pra ver o que era. Só "chutava"o obstáculo com o carrinho. Pedi licença, abaixei e girei a cesta, deixando-a no lado menor pra que ele pudesse passar.

Assim como ele faria com a minha bicicleta no trânsito: pressionaria aquela "cestinha"que incomodava pro canto direito da pista, até que conseguisse passar, custasse o que custasse.

A tarde, numa conversa com um grupo de amigos e conhecidos, uma pessoa na mesa disse: "eu não gosto de ciclista". continuei ouvindo. "Outro dia, eu estava na av. Cidade Jardim e me deparei com um grupo de uns 40 ciclistas andando pela rua, me atrapalhando."

Perguntei: "mas se fossem 40 carros, eles não estariam atrapalhando?" e ela "ah, carro tudo bem".

Esse mesmo pensamento levou  Ricardo Neis a atropelar 17 ciclistas em fevereiro de 2010 em Porto Alegre. Eles estariam "atrapalhando" o seu caminho.

Desde que eu troquei o carro pela bicicleta, mudei muitos hábitos. Não foi uma mudança pensada. Isso foi acontecendo aos poucos. Mudei meus hábitos de consumo: comecei a comprar menos, bem menos. Comecei a PRECISAR de menos. Comecei a prestar mais atenção na cidade. Comecei a prestar mais atenção nas pessoas. Saí do meu mundo e comecei a fazer parte do mundo de verdade. Parei de ouvir a minha música e reparar nos sons da cidade ( bem barulhenta por sinal). Notei também o silêncio que se faz depois da chuva, quando volto pra casa.

Não tive mais medo de ser assaltada. Impressionante: fiquei mais vulnerável, mas me sentindo muito mais segura.


Tornei-me invisível.


Sou invisível até mesmo aos olhos do ladrão. A não ser que o objeto de desejo dele seja uma bicicleta. Mas geralmente o ladrão quer o que está escondido dentro dos "carros-mansões". Ou dos muros, cada vez mais altos que se erguem na nossa cidade.


Esquecendo todas os caminhos que a bicicleta me abriu e tudo o que ela trouxe, o mais importante é que comecei a reparar no espaço que eu ocupo. E só tendo consciência do espaço que eu ocupo, é que consigo respeitar o espaço do próximo.

Vou republicar esse vídeo da Renata Falzoni, que eu acho sensacional, explicando exatamente a relação do ciclista x cidade, ciclista x espaço e ciclista x energia.


Usar a bicicleta como meio de transporte faz a gente enxergar um monte de coisas. Além do que nós enxergamos nas ruas, como um "terceiro olho" que nos dá um plano geral do que acontece entre carros, pedestres, semáforos e detalhes da cidade ( conforme ilustrações abaixo), nós enxergamos o espaço do outro, no trânsito fora dele também.

O que enxergam os motoristas:



O que enxergam os ciclistas: 


imagens tiradas do bikeyface.com

http://bikeyface.com/2012/02/23/seeing-things/


A bicicleta é só um instrumento de transformação. É só um objeto que nos dá a consciência de cidadania. Estando nela ou fora dela, percebemos o mundo de forma diferente, não melhor nem pior, só diferente. Percebemos acima de tudo, as pessoas.

Então, homem do carrinho, mulher do peito comprado e pessoa que não gosta de ciclistas: somos invisíveis, mas enxergamos e respeitamos vocês, mesmo não concordando com suas atitudes...




segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Qual a maneira mais econômica, mais rápida e mais divertida de voltar pra casa?

Marginal pra quem está de carro

Marginal pra quem está de trem

Marginal pra quem está de bike