terça-feira, 6 de março de 2012

As questões que envolvem os direitos e deveres do ciclista.



O que falta em São Paulo? Além de ciclovias, faltam cidadania e educação.


Quando eu defendo o uso da bicicleta em São Paulo, as primeiras frases que eu ouço são: ciclistas não respeitam ninguém. Ciclistas são mal educados.
Enquanto eu acabava de escrever sobre isso, li essa matéria na Folha de São Paulo, e toda sua repercussão entre os ciclistas.


http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1057752-ciclistas-se-arriscam-e-cometem-infracoes-no-transito-de-sp.shtml

Em primeiro lugar, não podemos generalizar, afinal há ciclistas educados e ciclistas mal educados assim como há motoristas educados e motoristas mal educados.


E também não da pra separar:


1 - ciclistas já foram e muitas vezes também são motoristas 
2 - ciclistas também são pedestres 
3 - ciclistas não estão em guerra com os motoristas nem com pedestres.




Também não entendi algumas observações quanto a imprudência de alguns ciclistas fotografados, mas mesmo que em alguns casos eles tenham acertado, vamos entender o que faz um ciclista "se arriscar" no trânsito.

1 - Porque o ciclista "fura" o farol?


O principal motivo é pela sua própria segurança. Dar a largada um pouco a frente dos carros é mais seguro, já que ele demora um tempo para "engatar a primeira" e anda numa velocidade inferior aos carros.


Em Paris estão testando uma medida para que o ciclista possa sair antes dos carros nos faróis.




Em algumas cidades o farol para ciclistas abre um pouco antes do que o dos motoristas, justamente por esse motivo.


Trecho do livro Diários da Bicicleta, do David Byrne, falando sobre Berlim e os semáforos que abrem antes para as bidicletas.


2- Por que o ciclista pára muitas vezes entre a faixa de pedestres e o cruzamento? 


Também para aumentar sua segurança. Para ser visto pelos motoristas e para conseguir sair antes dos carros.

Em algumas cidades há uma faixa entre a faixa dos pedestres e a faixa dos carros. É a "bike box". Tudo para que o ciclista consiga sair em segurança.




Imagens tiradas do blog: http://stlelsewhere.blogspot.com/2011/01/bike-st-louis-portland-bike-box.html

3 - Porque o ciclista circula entre os carros, já que a distância de ultrapassagem deve ser de 1,5m?


O ciclista circula entre os carros quando estes estão parados. Então os riscos de acidente são quase nulos, a não ser que algum motorista resolva abrir a porta enquanto está parado no farol, o que raramente acontece. E nessas condições ele está em baixíssima velocidade e prestando muita atenção, portanto não haverá nenhuma fatalidade.
Na hora que o farol abre, ele estende a mão pedindo para voltar novamente a sua faixa: a da direita.


4- Porque o ciclista ocupa a faixa inteira da direita e não o cantinho dela?


Quando um ciclista está ocupando a pista da direita inteira ele não está fazendo nenhum tipo de protesto ou querendo competir com o motorista. Ele está pedalando lá também por questões de segurança. 
Quando ele ocupa a faixa como se fosse um carro, obriga os veículos a mudarem de faixa para ultrapassá-lo, fazendo uma ultrapassagem segura e não colocando o ciclista em risco.


5- Porque o ciclista grita?

É muito romântica aquela buzininha " trim trim", mas as vezes não resolve. O grito do ciclista é sua buzina mais eficiente. Eu mesma que sou tímida, me surpreendo com os gritos que consigo dar quando me sinto ameaçada.

6- No caso da Av. Paulista, onde o ciclista deve pedalar?

Há um mês eu pedalava na Av.Paulista, me senti insegura devido justamente a velocidade dos ônibus. Então subi na calçada e encontrei dois guardas. Perguntei onde seria o melhor lugar para pedalar lá. Eles me aconselharam a ir pela segunda faixa. Como eu estava a passeio e não tinha pressa, acabei indo pela calçada, contrariando as leis do nosso trânsito. 


7 - Porque alguns ciclistas andam pela calçada?

Quando me sinto insegura pedalando por grandes avenidas eu vou sim pela calçada até encontrar um caminho alternativo, uma rua menos movimentada. Nao é o correto, mas prezando pela minha segurança eu vou.


Mas acredito mesmo no bom senso de todos: motoristas, ciclistas e pedestres.
Quando nós trocamos o carro pela bicicleta, aprendemos o verdadeiro sentido da palavra CIDADANIA. Aprendemos a ser cidadãos. Sendo assim, não vamos usar a bicicleta como uma arma, portanto acredito que se soubermos conduzí-la com cuidado por uma calçada larga não causaremos acidentes.


Não vou questionar a lei. A lei está correta ( o Código Brasileiro de Trânsito não permite bicicletas na calçada). O que faltam são condições para que o ciclista possa cumprí-la. Afinal alguém optaria em subir na calçada caso houvesse uma ciclovia? 


A ciclovia da Faria Lima: Quem anda de carro acha que isso é uma ciclovia, mas quem precisa usá-la sabe que não é bem assim.

No meio do caminho tinha um ponto de ônibus.

No meio do caminho tinha um degrau.
O projeto de ciclovia da Faria Lima existe há 15 anos. Em 2012 vamos ganhar 2km , que custarão R$ 8.000.000,00.  15 anos para 2 km... podemos encarar isso como uma conquista?


Há uma grande inversão de valores na nossa sociedade.
Quando pedalo na calçada, na velocidade dos pedestres, as pessoas as vezes me vêem e me dão passagem, pedindo desculpas. Eu logo digo: "Eu é que peço desculpas, estou no lugar errado". E muitas vezes ouço ( geralmente dos mais velhos): "Melhor você estar aqui do que na rua".
E quando estou na rua, ocupando o lugar que realmente tenho direito, levo aquelas "finas educativas" dos carros, querendo me mostrar que meu lugar não é ali.


TUDO ERRADO.


Na verdade tudo o que o ciclista faz é para tentar encontrar o seu melhor caminho naquele momento. Numa cidade onde a bicicleta não é aceitável como um meio de locomoção quem a conduz precisa se proteger. O ciclista não se arrisca no trânsito. Ele se defende. 


Por isso quando alguém manifesta raiva ao ciclista eu penso: 
Porque tanta raiva? A bicicleta, mais que um meio de locomoção, é um meio de virarmos cidadãos. 
E a partir disso, um mundo se abre a nossa frente. 


Depois de começar a usá-la como meio de transporte, começamos a enxergar as calçadas ( esburacadas e minúsculas), reparamos na falta de faixas para atravessar, na quantidade de pessoas que circulam pelas ruas porque não conseguem se locomover pelas calçadas, nos preocupamos com o bem estar do próximo, nos envolvemos em causas sociais, associações de bairros, enfim, exercemos nosso papel de cidadãos.

Cadeirante, criança e entregador, os " sem-calçada"  andam pela rua Santa Efigênia, em São Paulo.
A calçada é estreita e esburacada.
Andando a pé por um bairro nobre em São Paulo.

Por aqui, os pedestres são obrigados a passar pela rua.
Minha pergunta: pra que serve esse painel? por onde passam os pedestres? 
A bióloga Juliana Dias morreu exercendo seu papel de cidadã. Fazia parte do Pedal Verde, que promove passeios de bicicleta plantando árvores pela cidade e conscientizando as pessoas sobre a importância da preservação do meio ambiente. Pedalava por um mundo melhor.




Juliana não andava pela contramão, nem estava infringindo nenhuma lei, estava no seu direito, pedalando onde seria permitido. Segundo o depoimento do próprio motorista que a atropelou ( este sem culpa) ela era uma ciclista consciente, sabia ocupar seu espaço, sinalizava antes de entrar na faixa, e usava todos os equipamentos de segurança.


Juliana estava no caminho certo, mas parece que aqui no Brasil, ainda andamos pela contramão. Continuamos pensando no transporte individual, continuamos mandando as bicicletas andarem nos parques, continuamos dentro dos nossos carros com o ar condicionado ligado, fechando o vidro para uma grande revolução, na minha opinião irreversível.


E enquanto isso cidadãos continuam morrendo...



Agradecimentos a Willian Cruz, do Vá de bike.













2 comentários:

  1. Muito boas as suas colocações. É exatamente assim que penso! Obrigada por colocar em palavras o pensamento de muitos!!! Bjs.

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  2. Perfeito! Me vi andando em SP com a minha bike...
    Como disse a Marisa, obrigado por colocar em palavras o pensamento de muitos!!!

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