segunda-feira, 12 de março de 2012

Como ser uma bicicleta na cidade feita para carros.












“Se vc não quer continuar olhando para a bicicleta como um esporte radical e perigoso: eu sobrevivi hoje, talvez eu sobreviva amanhã, é preciso de uma infraestrutura boa e segura”. Jan Gehl , arquiteto, numa entrevista para a jornalista Natalia Garcia. 


Usar a  bicicleta como meio de transporte em algumas cidades brasileiras como São Paulo é  como fazer um teste de sobrevivência todos os dias. Segundo dados do CET ( Companhia de Engenharia de Tráfego) aqui morre um ciclista por semana. Se formos analisar a quantidade de ciclistas que circulam pelas ruas pela quantidade de carros, isso é um número bastante significativo.

A cidade planejada para carros não aceita bem outro tipo de locomoção.
A classe média brasileira foi educada para ter um automóvel. Carro aqui é sinal de status. Os apartamentos aqui são vendidos pelo número de garagens e pelo tamanho do muro que protege (falsamente) os moradores.

A sociedade brasileira, mais precisamente a elite paulistana não consegue abrir os vidros dos seus carros pra enxergarem a pequena, mas crescente revolução que está se iniciando tardiamente na minha opinião. Ficam todos dentro de suas pequenas prisões, parados em congestionamentos de até 200km e apenas contestam o fato, individualmente. Mesmo assim, continuam repetindo a mesma rotina todos os dias.




A VELOCIDADE DA MUDANÇA.








Em 1996 foi aprovado o projeto de construção de uma ciclovia em uma grande avenida paulistana: a Av. Faria Lima. Dois anos depois foram instalados pontos de ônibus no meio dela. Em 2012, depois de 16 anos a cidade vai ganhar mais 2 km de ciclovia nesta avenida.  16 anos pra 2km seria mais um atraso do que uma evolução na minha opinião. 

Em outubro do ano passado uma ciclofaixa tímida e mal feita foi pintada em míseros seis quarteirões de um bairro nobre de São Paulo. Os moradores se revoltaram porque não teriam vagas pra estacionarem seus carros.



A jornalista Mônica Waldvogel deu um depoimento no seu programa, onde debochava de um amigo que tentava convencer um grupo de que a bicicleta seria o meio de transporte do futuro...

Quando a estação Butantã foi inaugurada na linha amarela, conversei com uma pessoa que morava a dois quarteirões de lá e trabalhava na Av. Paulista, perguntando se ela não estava feliz com essa facilidade, afinal da estação Butantã até a Av. Paulista são apenas 6 minutos de metrô. Fiquei surpresa quando notei que ela nem tinha cogitado essa hipótese. Continuava indo trabalhar de carro todos os dias, gastando sua horinha no trânsito e pagando estacionamento em plena Av. Paulista, como se aquela linha de metrô não tivesse nada a ver com a vida dela.

O que podemos perceber é que a velocidade da construção de ciclovias  e espaços exclusivos, assim como a conscientização da classe média é inversamente proporcional a velocidade dos carros.

Ou seja, as pessoas continuam pensando em continuar nos seus carros, e comprar outro carro pra driblar o rodízio, mesmo que isso custe três horas do dia de cada um.

Três horas que poderiam ser gastas de qualquer outra forma, mesmo que fossem pedalando. Mesmo que fossem em beneficio próprio.

Como diria Cazuza: “Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia”...











CIDADANIA x OBSTÁCULOS.

O fato é que o trânsito cada vez fica pior e nunca os motoristas se reuniram pra fazer um protesto. Talvez por que para melhorá-lo, cada um sabe que terá que abandonar o carro em casa e optar por um transporte público. Talvez porque no carro eles tenham a falsa sensação de proteção que a couraça lhes coloca. Mas acho que o melhor motivo é porque dentro do carro, o motorista não sabe o verdadeiro sentido da palavra CIDADANIA, palavra que é rapidamente descoberta por quem sai de seu carro e passa a usar a bicicleta.

Digo isso por experiencia própria. Eu precisei sair do carro pra descobrir esses valores. Valores que não tem a ver com dinheiro ou classe social.

A bicicleta não é apenas um meio de transporte. É muito mais do que isso: é  o início de um processo de transformação do ser humano. Mas continua sendo vista aqui no Brasil como um obstáculo entre os carros e outros transportes motorizados. Ninguém consegue entender que o ciclista poderia ser outro motorista e estar ali ocupando um espaço maior e poluindo, ou ocupando mais um banco no transporte público. Enxergam como um obstáculo que está atrapalhando seu caminho. E pronto.

Uma grande inversão de valores se instala por aqui. Enquanto alguns ciclistas tentam se proteger usando as calçadas (ato proibido pelo Código de Trânsito Brasileiro ), pedestres pedem desculpas a eles por estarem atrapalhando seus caminhos e quando ciclistas tentam ocupar seu lugar na pista da direita, compartilhando-a com os carros, são espremidos por estes, que os mandam pra calçada.

Tudo errado. É o ser humano pedindo desculpas para uma máquina. A escala está invertida.  A cidade precisa ser usada pelas pessoas e não pelas máquinas. Somos motoristas, pedestres e ciclistas, mas igualmente seres humanos.
E em São Paulo, infelizmente o ser humano não é prioridade.

CIDADES MAIS HUMANAS. MAIS AMOR, MENOS MOTOR.

Semana passada 5 ciclistas morreram no Brasil.
Uma morte foi na avenida mais importante da cidade de São Paulo. A ciclista discutia com um motorista de ônibus quando foi atropelada por outro, que estava na sua faixa, na velocidade permitida e não tinha nada a ver com a história.

A bióloga Juliana Dias, de 33 anos, foi vítima da priorização da máquina . Da omissão de políticos e órgãos públicos. Da falta de humanização da nossa cidade. Da falta de aceitação da sociedade da bicicleta como um meio de transporte. Da inversão de valores da nossa sociedade.

Em 2009 ocorreu outra morte, a apenas um quarteirão do atropelamento. Márcia Prado, cicloativista, também foi  outra vítima da desumanização da nossa cidade.
Na avenida onde morreram, a velocidade máxima permitida é de 60km/h. Uma velocidade alta perto da quantidade de pedestres e ciclistas que circulam por lá todos os dias.
No dia 06/03 houve a Bicicletada Nacional. Ciclistas se uniram para pedir mais ciclovias, mais segurança no trânsito, e que as cidades sejam mais humanas. "Mais amor, menos motor".









Eu estava lá. Eu deitei na avenida mais importante da cidade entre centenas de cidadãos pedindo um mundo melhor.




Em 2009 foi Márcia, semana passada foi Juliana, amanhã pode ser eu, afinal eu optei pela minha liberdade, mas ela pode custar caro numa cidade onde as palavras “ velocidade e a intolerância” valem mais que  “liberdade e cidadania”.



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