quinta-feira, 22 de março de 2012

A bicicleta na sociedade do automóvel.
















"Aqui vc não pode entrar. Por que? Ah! Porque vc é pobre!
Comecei a ser barrada no bar, barrada na festa, barrada no baile, barrada nos lugares teoricamente chiques porque eu era... CICLISTA. Então comecei a entender que ciclista não tinha nem aceitação social como consumidor. Quer dizer, aí caiu a ficha do real problema social brasileiro. O problema das bicicletas na rua é cultural. cultural "my a..."! Sabe o que está por trás disso? Está por trás disso a primeira exclusão social, por que eu não tenho um carro, eu não sou uma pessoa q tenho status social pra consumir. Eu não sou uma pessoa que tenho status pra existir pra não ser atropelado". Renata Falzoni



Complementando o que escrevi a semana passada sobre "Como ser uma bicicleta na cidade feita pra carros" http://ra-deriva.blogspot.com.br/2012/03/se-vc-nao-quer-continuar-olhando-para.html, assisti um depoimento em que Renata Falzoni descreve brilhantemente essa diferença.




E também fala sobre a economia real de energia, transformação, felicidade, a relação com a cidade, qualidade do ar, enfim, tudo o que a gente descobre rapidamente quando começa a pedalar. O discurso é muito bom, vale a pena assistir.


Em artigo publicado por Cynara Menezes, na Carta Capital, ela compara a sociedade brasileira com Hitler.


"Se fascistas e nazistas tinham lá sua admiração pelo ciclismo, o mesmo não se pode dizer da atrasada direita brasileira. Desde a manifestação que ocorreu em São Paulo na sexta-feira 2 de março em protesto pela morte de uma ciclista, atropelada por um ônibus na Av. Paulista, as agressões na internet não param. Pasme: não contra os carros ou o trânsito desumano da cidade, mas contra os que desejam fazer diferente e se deslocar em duas rodas. “Bikerdistas”, “fascibikers”, “talibikers”: assim tem sido chamados os ciclistas que tentam alertar a população de São Paulo para uma forma melhor de vida que não a ditadura do automóvel.
Dentro de seus carros, a direita balofa bufa contra os ciclistas que protestam, porque “param” o trânsito e “atrapalham” seu deslocamento egoísta e insano."


http://www.cartacapital.com.br/sociedade/piores-que-hitler/

Acabo de ler o depoimento de uma menina que apanhou na Avenida Paulista, por uma mulher que dizia que quem pedalava lá, deveria morrer. Atenção: ela apanhou por estar andando de bicicleta, novamente no espaço permitido, apenas por estar compartilhando o espaço. Apanhou dessa sociedade que não consegue enxergar além do universo que existe fora do seu carro. Ela não estava protestando contra nada. Apenas optou em se deslocar de bicicleta.

Como disse Sakamoto, no seu blog:

"Quem protesta de verdade, tentando mudar as coisas, é taxado de vagabundo, louco, imbecil, retrógrado, egoísta. Por quê? Porque seres civilizados nunca parariam o trânsito. Manifestação bonita é aquela asséptica que nasce e morre na internet e não ganha as ruas. Para estes manifestantes de butique, reclamar tem limites. A partir daí, vira arruaça. Ou pior, subversão.


Coletei exemplos disso ao longo do tempo. Alguns já postei aqui. Como a conversa de duas senhoras em um avião:
- Você viu que morreu uma daquelas sem-terra na rodovia dia desses. Atropelada.
- Também, estava andando no meio da estrada, fazendo protesto. Atrapalhando o trânsito."
Falando em manifestantes de butique, há um mês mais ou menos li uma publicação em que as pessoas de um bairro próximo ao meu manifestaram o desejo de manter um parque aberto até mais tarde, pra podermos usufruir do pouco espaço público que temos na cidade. O parque fica perto da minha casa, então logo entrei na discussão e me dispus a engrossar a massa. Foi marcada uma reunião, as 16 hs de uma quarta-feira. Eu reagendei outro compromisso para as 18hs, reorganizei a vida do meu filho, que nesse dia estaria em casa as 18hs, e fui.


Cheguei lá as 15:50, mandei uma mensagem pra pessoa que tinha marcado a reunião. Nada. Dei uma volta no parque. Voltei lá pra administração. 4:15. Nada. Mandei outra mensagem. Nada. Ninguém. Já que estava lá, entrei pra falar com o administrador do parque. Obviamente na segunda frase já agradeci e quis sair de lá o mais rápido possível. Mas o fato é que me dei conta de que estava lá, envergonhada da classe que eu supostamente representava: essa burguesia, que quer tudo na mão, mas não quer se mobilizar por nada. Esses manifestantes de butique. Que não se deslocam um quarteirão, pra ir até um PARQUE (não estou falando de ir a uma passeata na Av. Paulista "atrapalhar o trânsito", estou falando de ir ao parque que gerou a discussão sobre mantê-lo aberto por mais tempo). Essas pessoas se envergonhariam de ter alguém como eu as representando, alguém que não quer ser escrava do carro, alguém que sonha com uma cidade mais humana, alguém que provavelmente esta na frente "atrapalhando"o caminho deles.


Me pergunto também o que estavam fazendo os motoristas dentro dos seus carros no dia da bicicletada que "atrapalhou o trânsito"?  Se conseguirmos mais segurança pra pedalar, muita gente vai ter coragem, e quanto mais bicicletas nas ruas, menos carros, consequentemente menos trânsito. Ninguém ainda se deu conta disso?


Um artigo, este publicado em novembro de 2011 por uma brasileira que mora em Berlim, na época da construção da ciclofaixa em Moema, fala sobre a manifestação CONTRA uma ciclovia, e que isso só poderia estar acontecendo no Brasil, que em nenhum país do mundo se contestava sobre a possibilidade de uma vida mais saudável.


http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/11/09/bicicletas-intolerancia-no-brasil-claro-415617.asp



Sociedade brasileira: ATENÇÃO.
Quantas pessoas vão precisar morrer pra essa mentalidade continuar imperando? 
Como disse Renata Falzoni, a gente está anos-luz atrás. E daqui pra frente, nós teremos duas opções: PEDALAR OU PEDALAR.


Precisamos acordar, ir em busca do tempo perdido, e o que realmente vai fazer a diferença pra mudar, é a mudança do nosso comportamento. Se é difícil trocar o conforto do carro por outro meio de transporte, pelo menos lute para que outras pessoas possam fazer. Ou pelo menos aceite essa opção.
Afinal quanto mais gente podendo pedalar com segurança, quanto mais gente podendo usar o transporte público, a cidade vai melhorar também pra você, que quer continuar dirigindo!


E mais: muitos ciclistas já foram motoristas. Se a troca foi feita e nós saímos nas ruas batalhando pelo direito de pedalar e não voltamos a ter um carro, por que será que fazemos isso? Será que o motivo é realmente "atrapalhar a vida de vcs e o trânsito da cidade?" 





2 comentários:

  1. assim como você, também estou convencido que a questão da mobilidade urbana e consequentemente outras questões urbanas só vão melhorar a partir do momento que menos carros estiverem nas ruas.

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    1. pois é, sandre, será que fui muito dura nas minhas colocações? Não sou contra motoristas, só não me conformo que as pessoas se coloquem contra uma parte pequena da população que não quer ser escrava do carro e fez outra opção.

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