Em nome da Bicicletada Nacional, Renato Zerbinato e Mara Marchetti entregaram nesta quarta-feira, 20 de junho uma carta a deputada Marina Sant'Anna. A deputada é presidente da frente parlamentar de defesa as ciclovias.
A carta fala sobre a importância da bicicleta como meio de transporte e pede mais segurança para ciclistas e pedestres.
A deputada não usa a bicicleta como meio de transporte (sua opção de deslocamento é a motocicleta), mas entende que as cidades precisam ser pensadas a partir da escala humana. "Pedestres são sempre ignorados. ( O uso da bicicleta) não é um tema novo no brasil. Todas as leis que tratam de mobilidade no Brasil tratam também do uso da bicicleta no trânsito. O que acontece é que as cidades foram se conformando pra outra lógica, elas são carro-centristas. Elas colocam o carro como o dono das vias. São criadas estruturas enormes, viadutos que inclusive impedem a passagem de pedestres e ciclistas, isso é totalmente absurdo, vai na contra-mão do resto dos países mais avançados na questão dos direitos civis."
E afirma: " Tem que fazer planos cicloviários dentro do plano diretor de mobilidade como um todo, seja da cidade, seja de uma região metropolitana, tem que estar casado com o plano diretor das cidades de mais de 20.000 habitantes..."
Phillip James Fiuza,
ciclista que mora em Brasília, atentou também a campanhas de educação no
trânsito. "Aqui no Rio de Janeiro pedalar em Copacabana e Ipanema é
maravilhoso, mas no resto da cidade... Pela lei, onde tem ciclovia, o
ciclista deve pedalar lá. Mas não existem ciclovias que integrem a cidade inteira.
Quando você tem algo que segrega a mentalidade acaba sendo pior. Não é de
inclusão, mas de segregação."
Phillip foi mais além:
"se eu tiver que escolher entre melhorias de calçadas para pedestres, cadeirantes e
deficientes e ciclovias eu fico sem ciclovia. Porque a pista é meu lugar também, eu
já tenho meu lugar e eles ( pedestres) não tem opção."
Também foi falado sobre os
projetos mau executados, que são criados por não-usuários de ciclovias. A
deputada ressaltou a importância da colaboração dos ciclistas nos comitês:
" Tem que propor uma espécie de conselho que conte com ciclistas, antes de
executar os projetos de uso intermodal." E também propôs um
sistema integrado: "A Câmara Federal tem como fazer com as Assembléias Legislativas um sistema de diálogo online. É possível fazermos diálogos
nacionais. E ao mesmo tempo a gente dar uma esquentada pra mexer nos
parlamentos locais e que a lei seja cumprida."
A lei manda priorizar em
primeiríssimo lugar o pedestre, em segundo lugar as bicicletas e terceiro o
transporte público. Observou que a lógica está sendo invertida para 5.600
municípios e falou sobre o crescimento das cidades pequenas, onde as pessoas
usam muito a bicicleta, chamando a atenção também a essas cidades.
Também sugeriu fazer
um material específico sobre a lei orientando as prefeituras como por exemplo um vídeo
educacional. Segundo a deputada tem linhas de financiamento que não são utilizadas e a
própria lei não e conhecida por muitos gestores.
Segundo Renato Zerbinato,
é impossível que um gestor conheça a legislação, já que ela é bem ampla, não só
na questão da bicicleta, por isso entende que esse trabalho de movimento social
seja importante. Segundo ele, essa mesma carta será encaminhada pra todos
os governadores e também para a Frente Nacional
dos Prefeitos. "Essa é a forma que nós temos de atingir e colaborar".
Abaixo a carta na íntegra.
Carta à Presidenta Dilma Roussef
Excelentíssima Senhora Dilma Roussef
Presidenta da República
O projeto Bicicletada Nacional RIO+20 foi concebido por ocasião da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável / RIO+20 e idealizado por grupo de ciclistas de todo o Brasil que utilizam a bicicleta como meio de transporte em suas cidades. Estas pessoas, oriundas de todos os cantos do país, partiram de suas respectivas cidades e pedalaram milhares de quilômetros em direção ao Rio de Janeiro com vistas a sensibilizar o Governo Federal, gestores públicos e cidadãos a entender a oportunidade que o Brasil tem em reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa a partir de políticas públicas consistentes que promovam a bicicleta como meio de transporte sustentável e altamente viável para as cidades e grandes centros urbanos.
Soma-se a este argumento, central nas discussões sobre as mudanças climáticas, uma série de motivos que levam diversos países a incentivar a retomada das bicicletas nos espaços urbanos, em especial na última década. Além de melhorar a mobilidade urbana e reduzir a emissão de gases poluentes, a bicicleta pode representar importante instrumento de cidadania, educação, saúde pública e inclusão, motivando ações de transformação política, social, econômica e ambiental local. Neste sentido, a bicicleta passa de simples veículo de locomoção para veículo de mobilização social, que comunica diversas mensagens e estimula a prática de valores como respeito, interação e integração entre pessoas e estas com o ambiente, cooperação, inclusão social, valorização da diversidade cultural e étnica, além de amenizar a dicotomia entre sociedade e natureza.
No mundo inteiro, os Governos têm incentivado cada dia mais o uso das bicicletas, principalmente nas grandes cidades, oferecendo sistemas cicloviários completos, sistemas de bicicletas públicas, caminhos cicláveis e seguros, além de outras estruturas e instalações físicas, como paraciclos e bicicletários seguros, campanhas educativas e diversas outras vantagens, além de diversas formas de restrições que desmotivam as pessoas a usar o veículo automotor, substituindo-o por outras formas de mobilidade urbana, tal como a bicicleta e o caminhar.
O Brasil é signatário de vários acordos políticos internacionais que têm como meta a redução de emissões de CO2. E mais, o país tem se comprometido, de forma voluntária, a aumentar a sua meta de redução de emissões previstas nestes acordos. Basicamente, a meta será alcançada com a redução das queimadas florestais, desmatamentos e uso de combustíveis fósseis em veículos automotores. Porém, o investimento e a forma como a política de mobilidade urbana tem sido tratada pelos gestores públicos ainda são pífios e não colaboram efetivamente para a mudança cultural e a inclusão da bicicleta, por exemplo, como meio de transporte acessível, viável, seguro, eficiente e não poluente.
Entendemos que conferências desta amplitude devam estar alinhadas com outras ações da própria ONU. Conferência sobre sustentabilidade e redução de emissão de gases sem tratar a bicicleta como alternativa real de complementação para a solução da mobilidade urbana e sem tratar o Plano Nacional de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a Década de 2010/2020 é o mesmo que seguir reinventando a roda, desvalorizar e desconsiderar uma série de reflexões e trabalhos já realizados no passado.
É imprescindível que exista um nivelamento em âmbito nacional, e que o debate se mantenha atualizado através de seminários temáticos, assim como é imprescindível que o avanço deste debate paute a criação de marcos legais e políticos que consolidem a cultura da bicicleta no país.
Os participantes do projeto Bicicletada Nacional RIO+20 são ciclistas comuns, que usam a bicicleta no dia-a-dia e se interessam pelo amplo debate sobre mobilidade urbana sustentável, adequação dos espaços para pleno conforto e segurança dos pedestres e garantia da acessibilidade universal.
A participação intensa de diversos debates públicos, de seminários presenciais e de mobilizações pelas redes sociais, procurando identificar a realidade brasileira e quais as maiores necessidades que os usuários de bicicleta apresentam no seu dia-a-dia, propiciaram o aprofundamento no tema e resultaram nesta carta de intenções, redigida especialmente para a Conferência RIO+20, dirigida às diversas esferas governamentais e que agora é entregue em mãos à representante do Governo Federal, à Frente Parlamentar em Defesa das Ciclovias do Brasil, aos Governadores de todos os Estados e do Distrito Federal e também à Frente Nacional de Prefeitos na expectativa de tornar evidente a importância de investimentos públicos em ações que promovam o uso da bicicleta como meio de transporte diário.
Importante ressaltar a necessidade de, neste ano eleitoral, os candidatos darem atenção ao tema e incluírem diretrizes importantes em seus respectivos programas de governo.
Acreditamos que com a construção de políticas públicas para o incentivo do uso da bicicleta e restrições ao uso do carro individual o Brasil possa colaborar ainda mais com a redução da emissão de poluentes.
O investimento sério nesta área pode reduzir os atuais gastos com saúde pública, prevenindo acidentes de trânsito, transformando paulatinamente as cidades em excelentes centros urbanos, diminuindo o nível de stress, aumentando a qualidade de vida e promovendo um cotidiano mais sustentável, para a atual e as futuras gerações.
Desta forma, propomos:
a) Apoiar ao Programa Bicicleta Brasil do Ministério das Cidades, que pretende criar diretrizes e orientações para a implantação de Sistemas Cicloviários nos Municípios brasileiros e hoje se encontra sucateado, sem pessoal ou nenhum tipo de estrutura;
b) Realizar imediatamente estudos em âmbito nacional sobre a situação do uso da bicicleta nas cidades Brasileiras, como contagem de ciclistas e avaliação das estruturas cicloviárias já existentes nas cidades;
c) Fiscalizar e fazer cumprir a legislação que garante incentivos aos modos coletivos e não motorizados de transporte;
d) Promover a integração da bicicleta com os outros modais;
e) Promover campanhas educativas voltadas à segurança e ao respeito aos ciclistas e pedestres, com ampla divulgação nos canais de comunicação;
f) Criar e manter um programa de formação permanente sobre mobilidade urbana sustentável voltado a professores, servidores dos órgãos responsáveis pelos setores de transporte e trânsito, DENATRAN, CONTRAN, Instrutores dos Centros de Formação de Condutores, Departamento de Estradas de Rodagem, Ministérios dos Transportes, entre outros;
g) Fiscalizar com rigor todos os tipos de infrações cometidas pelos motoristas, como estacionamento irregular e ameaça a ciclistas e pedestres, a exemplo das infrações previstas nos artigos 181, 193, 201, 214 e 220 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB);
h) Incentivar medidas de moderação de tráfego nas cidades, a exemplo da redução do limite de velocidade nas vias e pedágios urbanos como estacionamentos rotativos. Medidas desse tipo incentivam o transporte não motorizado, o transporte público coletivo e aumentam a segurança no trânsito;
i) Incluir o Dia Mundial Sem Carro (22 de Setembro) e o Dia Nacional do Ciclista (19 de Agosto) no calendário de comemorações oficiais, promovendo eventos para celebrar estas datas.
j) Instituir uma política de mobilidade voltada ao pedestre, com o objetivo de criar caminhos seguros, sombreados e acessíveis às pessoas com dificuldade de locomoção;
k) Realizar consultas públicas, audiências, debates, seminários, inserindo a sociedade civil, as entidades ligadas ao tema e especialistas de todo o Brasil na concepção de sistemas cicloviários locais;
l) Apoiar os seguintes Projetos de Lei que estão em trâmite da Câmara dos Deputados:
PL 6474/2009 – Institui o Programa Bicicleta Brasil;
PL 3211/2008 – Objetiva a aplicação dos recursos da CIDE-Combustíveis na construção de ciclovias;
PL 646/1999 – Altera o artigo 320 do CTB sobre a aplicação de recursos de multas de trânsito na construção de ciclofaixas e ciclovias;
PL 1493/2011 – Obriga importadores e fabricantes de bicicletas a fornecer manual contendo normas de circulação, penalidades, direção defensiva, primeiros socorros e Anexos do CTB;
PL 1043/2011 – Estipula multa de 20% no preço do veículo para quem comercializá-los sem os equipamentos obrigatórios de segurança;
PL 949/2011 – Concede isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados para bicicletas;
PL 3437/2008 – Dispõe sobre a instalação de estacionamentos para bicicletas;
PL 2956/2004 – Desobriga a instalação de campainhas e retrovisores nas bicicletas;
PL 2629/2011 – Obriga a inclusão de ciclovias nas rodovias federais.
Assinam esta carta os integrantes do projeto Bicicletada Nacional RIO+20 e todas as entidades e pessoas que oficializaram seu apoio a esta jornada, incentivando os pedalantes que aceitaram este importante desafio, de atravessar este imenso país, representando e levando a público as demandas dos ciclistas de todo o Brasil.
Atenciosamente,
COORDENAÇÃO
BICICLETADA NACIONAL RUMO À RIO+20
Rio de Janeiro, 21 de junho de 2012